quarta-feira, 25 de maio de 2016

Flores no asfalto


Tentei procurar por aí alguma poesia que tentasse sintetizar o que há entre o meu e o teu olhar, nada encontrei.
Tudo parecia tão singelo e sem ar, tudo sem sal e sem paladar, sem profundidade pra se mergulhar, desisti.
Busquei aqui e acolá, busquei nos livros encaixotados, busquei escondidos nas nuvens de mentira da internet, insisti.
Tentei burlar, copiar, recortar, sintetizar, editar trechos de poesias espalhadas, poemas em pedaços, na ideia de criar uma epopeia única, em vão,
Ficou tão bizarra minha cria, um monstro óbvio e sem alma no olhar, sem documento, que antes mesmo de nascer o rebento preferi abortar,
Gastei tempo, pensamento, gastei meus olhos na busca de uma frase de efeito que fosse, um pensamento que nos sintetizasse, uma foto poesia, um autorretrato literário, catando letras, formando palavras, construindo frases como um ourives solitário.
Até que num surto de desespero percebi minha perda de tempo, a besteira que fazia, buscar fora o que dentro já nascia, já brotava, já floria em meu peito,
Bastava colher a flores selvagens, juntar e enrolar num papel de embrulho, formar meu buquê, meu pobre ramalhete sem luxo, sem pompa nem rodeios,
Nele não encontrais as rosas orgulhosas ou as misteriosas orquídeas, nem a beleza pura das flores do campo, nem das simples margaridas, não insista,
Neste ramalhete que te fiz só há as flores que nascem sem pedir licença, nos acostamentos e terrenos baldios, entre as rachaduras do asfalto das cidades,
Meu poema é bruto, simples e insistente, quase sem aroma, mas tem a força de uma verdade de um olhar, do teu, do meu, e do inevitável encontro,
Que abre espaço na brutalidade desoladora da cidade, que aproveita todos os espaços e as oportunidades pra simplesmente florir,
Pra quem souber apreciar, pra ninguém e pra todos os olhares,
Meu poema é bruto e sincero como as flores que insistem em salpicar de cores teu caminhar.
      

 Primo Ferreira.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Sorria.

Sorria, Quando tudo parece que está dando errado, quando o dia amanhece nublado, sorria, são estes os dias que precisam deste teu belo sorriso como fonte de luz e energia, quando tudo parecer querer tirar a alegria do teu olhar, este é momento em que ele é mais necessário brilhar, esta profunda luz, pérola negra cintilando um brilho raro, deixe livre o teu olhar, solte-o, ele é necessário, mesmo que um pouco apagado pelo cansaço e pela dor, ele ainda é o mais belo pássaro a chamar a atenção do meu olhar, é nele em que encontro a beleza e a paz que preciso pra acordar, quando tudo parecer falhar, desmoronar ou quando teu corpo fraquejar, sustenta-o no meu, busca em meu olhar, perceba o em meu sorriso, quando tudo à tua volta amargurar, busque na minha boca o mel necessário pra adoçar.         

Primo Ferreira.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Consumo de energia.

Acendi a lâmpada incandescente do meu incômodo, a claridade toca-me a retina e o calor na pele; tento encostar com a ponta do dedo a superfície luminescente onde mariposas dançam em rodopios, fazendo arabescos no ar, movimentos circulares enlouquecidos ao redor do lume, feito bruxas num Sabat sagrado e profano ao redor da fogueira. Expus minha face à luz artificial pois já era noite ou já era dia, não sei, já que o dia que nunca conseguia se achegar ao meu recanto. Apesar de tudo sinto-me com sorte, por sentir o que eu agora sentia, por sentir agora que algo sentia, por isto aqui no peito que agora me brota e me movia, me fazendo deslocar, me tirando de uma antiga letargia. O que eu queria agora era só deitar e adormecer, mas não podia, pois tudo doía, dos fios dos cabelos até os ossos dos pés, cada falange, cada falangeta, toda palma grossa da sola do membro exposto ao solo; os olhos ardiam com toda esta claridade de agora, claridade que me revela, que me ardia para além das retinas, esta luz amarela e cruel, que tudo mostrava, desvelava, cada recanto deste cômodo sem espelhos, onde, apesar de tanta luz, não havia nenhuma superfície refletora onde se pudesse se mirar a face, olhar direto nos olhos, este lugar que de tão claro cegava, nada se enxergava direito a frente do nariz, nem o amor, nem o ódio, só a melancolia se sentia, além de uma solidão que se agigantava ao redor, ia entupindo tudo feito areia na ampulheta do tempo, entrando pelas narinas e tapando a garganta, causando um sufocamento. Percebo que algo de novo acontecia no aposento, não entendo no exato momento em que acontecia, então apago a lâmpada pra poder ver melhor, entender melhor o que eu sentia, era como uma ausência que ia ocupando todo o recinto, era como uma agonia que ia e vinha, como uma respiração ofegante, era um deslocamento de ar que mal na pele se notava, era algo que não havia, mas lá estava, parada no canto do cômodo, eu notava seu olhar fixo em mim, sentia seu cheiro que subia, não sei se de jasmim ou alfazema, sei que de flor de alguma coisa, sei que algum aroma eu sentia, acendi a lâmpada por precaução, pra não correr nenhum risco, pra não ser pego de surpresa, no susto, ponho-me em alerta, esperando alguma investida de alguma coisa, de algum lugar, de alguém que não sei quem, nem se viria, talvez aquilo ou aquele só estivesse de passagem, por curiosidade, não dava pra saber, mas fico tenso, assim permaneço por algum momento, mas fui ficando logo cansado, nada acontecia, nem eu me mexia, nem nada ou ninguém ao meu lado, então pensei que fosse delírio ou já tinha adormecido e sonhava, ou era então imaginação da minha cabeça, que faz tempo que doía, que me fazia crer em um monte de coisas estranhas, besteiras, essa cabeça minha que não parava, pensava tanto que não me deixava adormecer na hora certa, cabeça dos infernos, cabeça de doido, só refletia e esquentava os miolos, parecia que tudo dentro dela ascendia, e deixava tudo tão claro que doida, feito lâmpada incandescente perto dos olhos, atraindo mariposas em noites de um silêncio ensurdecedor, mesmo durante o dia quando nem luz do sol luzia aqui dentro deste aposento, em que a claridade não passava nem se espremesse pelas frestas, por trás das persianas, só os pensamentos que chegavam aos bandos na cabeça, fazendo-a esquentar, flamejar, consumindo minha energia!     

Primo Ferreira.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Noite luzidia

A praia se espalha preguiçosa
Bela paisagem
Areia, vento, maresia e velhas árvores
Gigantescas
A oferecer sombra e histórias
E o mar de um azul inesperado
Nesta terra nova é tua presença que me guia
Paisagem inusitada aos olhos e narinas
Sentamos lado a lado
Escondo meus pés cansados
Enterro-os na areia quente
Fina
Toco timidamente os teus, igualmente cansados
E neste instante o tempo para
E o que era dia entardece
O calor que antes nos aquecia  
Desvanece
A toda luz difusa, fugidia  
Em tons de azul e vermelho fogo
Se espalha entre nuvens cor de chumbo e morre
Pra renascer em luz branca
Quase amarelada, numa noite luzidia
A lua toda cheia de si, solitária vem nos buscar companhia
Espiar-nos do céu, tímida, entre cortinas de seda fina
Ciclope gigantesco
Celestial
Sensual
Jogando claridade sobre nós
Caminho de luz entre ondas
Espalhada na faixa larga de areia
E é ali que nos conectamos
E é ali que você se conecta com todo o resto da paisagem
Quando a noite clara escurece
Um céu pesado nos encobre
Que de tão perto dá pra tocar com as pontas dos dedos
Basta se esticar bem
Um vento frio se espalhando por todos os lados
Assanhando os cabelos e as copas das árvores
Anunciando tempestade
Não tememos aquele momento
Ansiávamos até
Chamávamos por ela
Dançávamos até
Que chegasse logo, forte e aquosa
Até que a chuva se apresenta
Escondendo-nos dos olhos dos outros  
E as gotas nos tocando a pele do rosto e do resto do corpo todo
Água fria
Antes, quente epiderme
Acionando milhões de terminações nervosas
Convulsionado tudo
Nossa mente se conectando ao corpo e a todo o universo circundante
Explodindo em milhões de micro sensações
Conectamos-nos um ao outro
Mergulhados na epiderme d’água e em nossos olhos
Eu nos teus, você nos meus
Refletidos no espelho d’água
Espelhados no céu profundo
E o tempo de novo para
Todo universo resumido entre nossos braços
Entre beijos e abraços
E o mundo nesse instante se esvazia

Primo Ferreira

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Danou-se

A boca pintada, de um vermelho gritante, fazendo barulho e incomodando os olhos, sons desencarnados, desesperados e urgentes, sem nem mesmo abrir a boca, muda, impassível e violenta, que de tão silenciosa grita, a boca rubra e chamativa chegou antes dela e permaneceu muito tempo depois que ela foi-se, tatuada na retina, e minha cabeça decepada, girando na órbita dela, danou-se. 

Primo Ferreira.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

AQUARELAS MEDÍOCRES

A noite, Ah! A noite, com sua boca aberta e um mar sedento se fazendo de garganta, faminto, eternamente faminto, uma grande boca cheia de línguas ondulantes que buscam, uma a uma, a praia, esparramar-se na areia, lamber-lhe os lábios desnudos e macios, arenosos. Ao longe, há lua. Olho de um ciclope mítico, pousada sobre a linha do horizonte. Ponto de fuga! Facho branco. Há luz na saída. Há um ponto negro boiando sob a luz da lua, eu, num ritmo pendular das vagas, é meu o corpo arremessado, largado em seu quase não peso, encharcado até os ossos. É tão lindo ver-me assim desnudo, feito feto mergulhado em líquido amniótico, projeção astral, mas sou velho, fora do tempo, bailarino, agora nu. Meu corpo que não passa de uma mancha qualquer no escuro, na montanha russa de ventos inclementes, astronauta erguido em fios de prata, ele dança, meu corpo, ele salta e rodopia na superfície de uma lua refletida no mar. Nem sei mais se rio ou se choro, se mar ou se gozo, ou se simplesmente acordo. Sei e sinto que o mar morde, que as ondas lambem, me devorando aos poucos. O que há lá em baixo? Onde fincar meus pés? Onde prender-me à vida? Em que cabeleira me agarrarei desesperadamente? Em que gravidade pesará meu corpo? Lembranças riscam rápido o céu profundo, e mais uma, e outra, e de repente tudo se ilumina em volta, tempestade luzidia, todo o céu despencando sobre esse mesmo mar que me engole, devora tudo, que tudo recebe e absorve. É só mais um corpo, eu sei. Não mais que uma vaga lembrança, um esquecimento profundo. Sinto peixes, pequenos peixes morderem meus dedos, até que uma besta abissal surja com sua bocarra, acabando de uma só vez com a brincadeira dos pequeninos, numa só mordida, e tudo é finda, um vermelho no azul profundo, que é quase negro, chamuscado de prata, o mar é um espelho e eu um rio vermelho manchando a imagem refletida da noite, das estrelas, há uma lua de sangue a me espiar a face fria. Eu tinha medo, muito medo do mar, agora não mais, não há mais espaço pra covardia, eu já bebi o mar inteiro, engoli-o, gole a gole, sou marinheiro, náufrago tranquilo, apenas um veleiro lançado ao sabor dos ventos. Vocês de lá da terra firme, se puderem, lembrarem-se de mim, façam uma prece silenciosa, ascendam uma vela que seja, que me alivie, que me guie, me ajude a encontrar meu caminho entre as tempestades noturnas, de monstruosas ondas de engolir navios inteiros numa só talagada. Rezem para que uma gaivota me resgate ao menos a alma, pra que ela não afunde e se perca nos abismos profundos, pois se meu corpo o mar reclama, que a minha alma lhe seja tomada e entregue à luz daquela lua gorda, nesta noite tão brilhante, que meu espectro se ilumine de prata, não se tinja de azul marinho o meu fantasma. Rezem vocês da praia, rezarei eu por vocês. Para que não tenham o mesmo destino que o meu. Ao menos os que não forem filhos de velhos pesqueiros, tingidos de sal e sol, secos e olhos marejados, gente forte, só pelo e osso, filhos de marinheiros, pois aí não tem outro destino melhor, não! Eu, por mim, não sou nem de um, nem do outro, sou louco e atrevido, que por um amor roubado num sábado de carnaval, enlouqueci. Encharquei-me de cachaça e fel, me despi da fantasia de palhaço e joguei-me do píer de San Martin, sem nem mesmo saber nadar, nem cachorrinho, nem borboleta, nem mesmo boiar de costas, mesmo assim lancei-me, quis nem saber. Antes gritei aos ventos, cupi e blasfemei, desafiei mesmo o oceano, chamei-o pra briga e deu no que deu. O mar adora os amantes traídos e insolentes, encorajados pela insanidade de álcool. Logo eu que nunca fui um grande Don Juan, muito menos um Muhammad Ali. Seria patético se não fosse trágico. Ao menos o oceano nos redime, nos lava de nossas lembranças, nos limpa das memórias alheias, afogam nossas vergonhas, nossas aquarelas medíocres.     

Primo Ferreira.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

A GATA, O RATO E O OUTRO.


Carlos ligou para Maria, queria dela uma resposta, Carlos não conseguiu o que desejava, ela não estava, tinha saído com o Roberto, bem que ele já suspeitava. Maria sempre foi desejada por Roberto, que nunca teve coragem de se declarar, era seu confidente, ombro amigo, um atento ouvido, companheiro para as horas incertas, pobre Roberto, nunca recusou um pedido de Maria, seu colo sempre esteve disponível, olhos sempre voltados para ela, seus melhores conselhos, sua atenção. Roberto, então, sofria sempre em silêncio, sempre presente, sempre ao lado, sempre ouvinte, sempre calado, sofrendo por paixão e por medo de revelar suas reais intenções à Maria. Por Maria, ele abria mão, nunca se arriscaria perdê-la, não imaginava ele, que nunca a tivera, que nunca a teria. Maria, sempre foi daquelas que não se prendia, indomável criatura do dia e das noites frias, Maria sabia se esquentar com Carlos e requentar a atenção e a dedicação do Roberto, era ele que estava preso a Maria, não ela a ele. Carlos sempre suspeitou dos sentimentos do Roberto, Maria nunca aceitou ou fingiu que não entendia o que Carlos dizia das intenções do Roberto, ela garantia que nunca percebera nada, apesar de tão evidente, era muito conveniente pra Maria, ter o Roberto em suas mãos, sem se comprometer com um, nem com as suspeitas do outro, ela não intencionava, de fato, corresponder a altura, as intenções do Roberto e as suspeitas de Carlos. Era um jogo, era um não sei o quê, Carlos com ciúmes, Roberto e seus queixumes, Maria fingindo não entender. Carlos sofria, Roberto sofria, Maria fingia sofrer. Um olho sempre atento, sempre buscando alento; outro marejado, avermelhado e ciumento e os grandes e belos olhos dissimulados de Maria. Ah, como ela sabia, sim, Maria sempre soube jogar, era da sua natureza, era o preço por sua beleza, enganar, isto ela sabia fazer muito bem, quase sem querer, desde sempre, aprendeu cedo a sentir prazer em iludir, é de família mentir, é do gênero feminino, é o natural das mulheres. Uma voz meiga e rouca; outra que buscava em vão uma resposta, um retorno ou um pouco de atenção e a não voz do Roberto, que sempre se calava na presença de Maria, ele, que nunca falava, ele que passa horas e dias só ouvindo as histórias e lamentações de Maria, ele que sofria calado com as confissões amorosas, dela com Carlos, dela sobre Carlos, dela até com outros, nunca com ele. Ela vivia, Roberto sofria, Carlos sofria; uma de prazer, um de dor, outro por ciúme. Sim, Maria sabia controlar a situação, nunca punha um ponto final em nada, sempre colocava reticências em tudo, não se desfazia de seus guardados, Maria era muito apegada, punha tudo na estante, entre a prataria e a coleção de biscuit. Mas um dia, Carlos, que percebeu o seu papel no jogo de Maria, tratou de tirar seu time de campo, partiu em busca de disputas mais equilibradas, travar outras altercas com adversárias mais justas, Carlos queria jogo limpo em outras cercanias. Roberto permaneceu esperando, dele, foi Maria que se encheu, entediou-se com sua pequena e indefesa presa, que não impunha nenhuma resistência aos seus golpes, Roberto era uma presa morta, sem vida, sem vontade própria, a gata decidiu pular fora e o cão ficou sem dono.               

Primo Ferreira.